17 junho 2011

Terapia do cajuzinho

Atualmente existem no Brasil cerca de 700 tipos diferentes de terapias alternativas à ciência médica que prometem saúde física, paz interior e alegria de viver, curam uma miríade de doenças existentes e outras tantas por existir. Não há qualquer regulamentação sobre essas técnicas chamadas alternativas. É tipo vai-quem-quer, cada um por seu próprio risco e sorte. Dei uma googlada rápida e encontrei terapias holísticas, orientais, naturais, manuais, etc. Encontrei entre as holísticas, seja lá o que isso signifique, desde o Aconselhamento; Acupuntura (Cromopuntura e Laserterapia) (Audiopuntura); Auriculoterapia; Alimentoterapia; Antroposófica (Terapia/ Medicina Antroposófica); Fitoterapia; Massagem; Apiterapia; Aromaterapia; Arquétipo; Artes divinatórias (Astrologia, Numerologia, Tarot, Búzios, Runas e similares); Artes marciais (Kung-Fu, Judô, Karatê, Tae-kon-do, Tai-chi-chuan, Capoeira, dentre outras), Arteterapia; Auriculoterapia; Ayurveda; Biodança; Bioenergética; Biorressonância; Calatonia; Calatonia Auricular; Terapias dos Chacras; Terapia Chinesa (Acupuntura, Massagem, Moxabustão, Fitoterapia e Artes Marciais); Chi-kung; Movimentos Chineses; Taoismo, I Ching; Tao; Cinesiologia Corporal(Leitura Corporal); Corporal (Terapia Corporal); Cristaloterapia; Cromopuntura; Cromoterapia; Cura prânica; Dança do Ventre; Do-In; Estética Integral; Fitoterapia; Floral (Terapia Floral); Hidroterapia; Hipnose Holística (Terapia Holística); Holístico (Paradigma); Holografia/Holograma; Indiana (Terapia/Medicina Indiana); Insight; Iridologia; Jim Shin Jyutsu; terapia de Jung, Carl. G.; Laserterapia; Litoterapia; Cristaloterapia; Lowen, Alexander; Magnetoterapia; Mantras; Massagem; Massoterapia; Meditação; Relaxamento; Meridianos (de Acupuntura); Mitologia pessoal; Moxabustão; Musicoterapia; Naturoterapia / Naturopatia; Nei Ching; Neurolingüística; Oligoterapia; Ortomolecular (Terapia/Medicina Ortomolecular); Parapsicologia; Pulsologia; Quiropatia; Radiestesia; Radiônica; Reflexologia; Reich, Wilheim; (Terapia Reichiana); Reiki; Relaxamento; Ressonância Biofotônica ou Biorressonância; Rolfing; Samkhya; Shiatsu; Símbolo; Sincronicidade; Tai-chi-chuan; Taoísmo; Terapeuta Holístico; Terapia /Medicina /Psicologia Antroposófica; Chinesa; Corporal; Floral; Holística; Ortomolecular; Transpessoal (Terapia Transpessoal, Trofoterapia, Tui-na; Ventosas; terapias de vidas passadas, Vivências; até a Yogaterapia.

E isso tudo sem mencionar as terapias que envolvem a ingestão sistemática de pozinhos e gotinhas sem nenhum princípio ativo, contêm talvez ou cheirinho, uma suspeita de álcool cujas concentrações se contam em partes por milhão, e cuja eficácia só se pode explicar através do incontestável efeito placebo. Há também as curas espirituais, que, sozinhas, já justificariam um novo capítulo.

Em minutos percebi, para meu espanto, que cada uma delas se subdivide em inúmeras outras subclasses. Quando me deparei com o trabalho hercúleo de tentar chegar ao fundo se um saco sem fundo resolvi parar por ali. Minha curiosidade em fazer um inventário completo dessas terapias acarretaria muito mais trabalho que uma breve inspeção.

A maioria delas parte do pressuposto de que toda matéria dos três reinos - aí fatalmente incluídos os seres humanos - possui energias sutis, que alguns chamam de espírito, ou alma, que não podem ser comprovadas ou aferidas empiricamente, para citar apenas algumas. Afirmam que nossos corpos abrigam regiões de concentração energética e linhas idem que se entrecruzam. Esses pontos invisíveis e indetectáveis são, assim, estimulados por uma gama de métodos mais ou menos doloridos. Mas é de senso comum que um pouco de dor só pode ser indício de que algo bom vai acontecer, ajuda no tratamento. Os mais delirantes falam de vidas passadas, ilusão que de tão absurda, não sei ao menos criticar. Nossa fração imaterial seria imortal e voltaria para compor outros seres depois de nossa morte, numa espiral ascendente até o que eles chamam de perfeição espiritual. Completado o ciclo, os espíritos emigrariam para outro planeta. Credo quia absurdum. Aqueles que não crêem nessas premissas, estarão relegados ao limbo das curas alternativas. Para mim, incréu contumaz, energia vital tem nome e sobrenome: adenosina trifosfato, também conhecida pelo apelido ATP, que é produzida pelas mitocôndrias através da combustão de glicose dentro das células durante um processo conhecido como ciclo de Krebs. É ela que nos mantém vivos, aquecidos a 37°C. Cessada a produção de ATP, está terminada nossa vã passagem pela terra. Se você foi magnífico ou um crápula, isso não faz mais diferença. Aqueles que não podem se haver com esta dura realidade ficam escusados para abraçar as teorias que mais lhe dêem alento.

Para corroborar sua teoria equivocada algumas pessoas usam o argumento bisonho de que apenas o nosso corpo físico seria pouco para justificar nossa existência mesma. Presunçosamente, elas parecem não se dar conta de que um mero centímetro quadrado da epiderme de nosso antebraço abriga informação suficiente para um trabalhoso pós-doutorado. Há ali pano para as mangas nos quesitos bioquímica, físico-química, dermatologia, citologia, metabolismo e estruturas celulares, genética, interações de hidrogênio e pontes de Van der Waals. Quem ainda assim acha que isso é pouco, deveria tratar o narcisismo que lhe cega.

Mas de onde se originaria a aptidão que a raça humana parece ter de acreditar no imponderável? Em 1927, Sigmund Freud, em seu Mal-Estar na Cultura aponta a tendência natural dos seres humanos em todas as culturas por ele estudadas de crer em forças superiores capazes de nos proteger e livrar de todas as ameaças impostas, aquelas contra as quais nada podemos, a saber, as intempéries e os elementos da natureza. Além disso, nosso narcisismo é de tal ordem que estamos dispostos a crer que, através de nossa interferência, na forma de orações e súplicas, ordens superiores da dimensão imaterial poderão interceder por nós e assim nos livrar de catástrofes ou nos dar alento contra o que não pode ser mudado.

A escolha de terapias é tão farta e variada que você, em momento de penúria, poderá escolher a que melhor lhe convier obedecendo a seus próprios critérios econômicos, de ordem moral, teatral, logística, ética ou religiosa. Mas saiba que a raça humana é dada ao me-engane-que-eu-gosto desde que o mundo é mundo. Desde sempre os mais espertos investiram contra as fraquezas dos seus semelhantes, prometendo a cura de doenças e prosperidade em todas as frentes, embrenhando-se de um atalho através do imaginário dos incautos. Um promete e o outro acredita.

Baseado nesta premissa inglória,inventei eu também uma terapia infalível, a qual prosaicamente denominei de Terapia do Cajuzinho. É muito fácil e barata. Você pode tentar fazer em casa, a princípio sem a ajuda de um profissional treinado, mas aceite os riscos. Se o distinto leitor não deseja abusar da sorte, entre em contato com nossa central de atendimento que designaremos um profissional treinado para lhe atender – a uma quantia módica, claro. Pegue um cajuzinho fresco, grande e cheiroso, feito por uma preta quituteira das boas. Levante-o à altura dos olhos, mire-o longa e pensativamente enquanto se concentra no seu problema. Depois feche os olhos e repita o mantra: “eu deposito em você todas as minhas angústias, toda a minha esperança por um dia melhor. E enquanto eu estiver saboreando você, minhas tristezas se transformarão em alegrias imediatamente”. Repita esse ritual quantas vezes tiver vontade por dia. Mas atenção, se você não conseguir acreditar no meu método terapêutico, ele não irá funcionar. E essa premissa vale também para qualquer outro método.

Ao final de uma semana, você poderá começar a desfrutar dos primeiros resultados secundários, que se farão perceber à altura da linha dos quadris. Os resultados primários poderão ou não advir, como em qualquer outra terapia.

Sempre fui preguiçoso e indolente. Desde que percebi o mundo ao meu redor, achava que se conseguisse alguma coisa na vida seria por insistência ou pela mera espera. Um dia minha hora chega, eu pensava. Ainda na infância eu percebi que aquilo que é bom o suficiente para ser ardentemente desejado por muitos, foi feito só para uns poucos. E para ser um deles, o sujeito tem que ter nascido em berço de ouro, condição em que apenas a sorte desempenha papel fundamental, ou ele terá que se esforçar muito mais que seus competidores, pagando assim, à vida, um preço mais alto pelo prêmio. Seja como for, as duas alternativas me soavam injustas, e resolvi apenas esperar.

Considerei minha vida como um muro de pedra (Stonewall?) e resolvi me encostar nele na esperança de que algum dia ele se romperia finalmente sob meu peso. Meu esforço foi sempre pouco, em relação ao que consegui tirar da vida, pois o mínimo significava muitíssimo. Se eu cresse, estaria propenso a achar que trocaram minha ficha lá em cima. Talvez eu nem tenha me esforçado tanto quanto imagino que o tenha feito. A vida toda eu fiz o que quis, sempre me considerei um livre pensador, sempre li o quero ler e nunca o que me mandavam ou pediam para ler. Na escola secundária, desenvolvi um método infalível de escrever e até discursar sobre livros nos quais nunca toquei. Só recentemente fui ler Machado e me dei conta do que perdi não tendo lido antes. Mas esse é o preço. Enquanto meus colegas contemporâneos já fazem contas para se aposentar, minha carteira de trabalho é inexplicavelmente imaculada por não mais que dois contratos de três anos cada. Sempre fui um outsider, sempre correndo por fora do páreo.

Por isso, quando me disseram que poderia resolver meus problemas deitado não tive dúvida: aceitei fazer psicanálise. E tem mais: Jaques Lacan afirma que nesse método de tratamento o falar, mesmo deitado, é uma forma de trabalho. Só mesmo as putas e os analisandos podem se dar ao luxo de trabalhar deitados. Estava assim dirimida toda a minha culpa. Esse método tem ainda a vantagem de não se basear em crenças. Um dia eu disse para minha analista com todas as letras que ela era uma charlatã, que não se importava comigo, que só estava interessada no meu dinheiro, que não acreditava nem nela nem na psicanálise. Ela sorriu com paciência e disse: “Isso aqui não é igreja, você não tem que acreditar. Você só tem que vir”. Aliás, como canja de galinha, uma ponta de suspeita também não pode fazer mal. A verdade só serve para causar aborrecimento. Ninguém gosta de ouvir a verdade. Se alguém disser que quer lhe dizer umas verdades, saia correndo. Quem só diz a verdade não tem muitos amigos. Nunca é tarde para lembrar que assim como a Verdade da fé, a Verdade da ciência também não é absoluta, ela é não-toda e deve ser tomada cum grano salis. Mas isso já é assunto para outro dia.

4 Comments:

Blogger clarisse said...

Falando em canja de galinha, podia ter terapia da canja com o cajuzinho. Sucesso total!! Em geral terapias dão conta de aplacar algumas angústias, a análise traz elas à tona (e por esse viés é trabalho mesmo).

10:58 AM  
Anonymous Wanderson said...

Parabéns pelo texto claro e bem humorado. É verdade que em muitas coisas temos opiniões divergentes ; eu sigo acreditando em algumas coisas que racionalmente entendo como ingênuas, mas acredito assim mesmo. Mas vi pelo seu texto que concordamos em pontos importantes tais como: o poder limitado da ciência que se tivesse poder supremo já se caracterizaria como uma divindade e quanto ao desejo (ou necessidade) que têm os que crêem de ter uma fé.
Como e com as putas já deitei e me deixei analisar e posso dizer que(deitar e ser analisado) é bom e que dá resultado pra uma série de coisas. A psicanálise, assim como a qualquer outra ciência, tem seu mérito pela pesquisa, mas não pode dar todas as respostas em razão da diversidade e complexidade do seu objeto de estudo. Mas também não se há de falar mal das crenças; o que seria da cultura, música, danças, literatura e outras formas de manifestações artísticas sem a fé? Ela nos faz mais humanos.
Abraçao!

7:44 PM  
Anonymous Anônimo said...

Olá Angelo.

Depois dos comentários dos seus seletos leitores, me sinto até um tanto encabulado.

Com tantas diferentes terapias e técnicas alternativas, é difícil fazer uma análise isolada de resultados, mas uma coisa é certa: Praticamente todas as doenças têm um componente emocional. Com base nesse princípio, podemos especular que as terapias alternativas no mínimo poderiam atuar nesse componente, contribuindo para a cura ou o alívio dos sintomas.

Também estamos vivendo num tempo onde as pessoas estão muito ocupadas. Sofremos por falta de atenção, que quando não pode vir dos familiares ou dos amigos, poderia vir dos terapeutas alternativos.

Não sei se é a velhice chegando, mas hoje não tenho mais certeza de nada.

Parabéns pelo texto muito bem escrito, inteligente. Realmente não é nada fácil a pesquisa sobre as terapias alternativas.

Antonio Eugenio Magarinos Torres

11:35 PM  
Anonymous Anônimo said...

I did not understand a thing and skipped reading to the end. My Portuguese is not good enough. But the number of terms will certainly attract a lot of googlers to your blog and this is a smart idea. Personally I prefer some other stories that you have written and that made me laugh and cry.
Reinhard

6:11 PM  

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