04 julho 2005

Para que servem os músculos?

Em julho de 1995 o Grupo Arco-Íris de Consciência Homossexual realizou a primeira passeata do Orgulho Gay na Avenida Atlântica, Rio de Janeiro. Minuciosamente planejada, não contou, entretanto, com mais de uns cem gatos pingados que, lutando primeiro contra o constrangimento, e perante os olhos incrédulos de expectadores que se aglomeravam nas calçadas, carregavam faixas exigindo respeito e visibilidade.

Preparamos centenas de máscaras para serem distribuídas entre a população para que as pessoas pudessem participar do evento sem se exporem. A idéia era que, oferecendo este artifício, mais pessoas se sentiriam encorajadas a entrar elas também na marcha. Para nossa surpresa, entretanto, na hora H, ninguém usou a máscara e preferiram caminha com ela na mão em sinal de protesto contra a discriminação. Foi um momento histórico para o movimento homossexual brasileiro, então dando seus primeiros passos, do qual tenho orgulho de ter participado. O movimento cresceu rapidamente, e se espalhou como um rastilho de pólvora, e hoje não é raro contar com mais de algumas centenas de milhares de participantes nas principais capitais do Brasil. A passeata de São Paulo é considerada a maior do mundo atualmente, com números de participantes que passam da casa dos 3 milhões.

Ano passado, mais por ter não ter nada melhor para fazer, resolvi dar uma olhada na movimentação daquelas centenas de milhares de foliões de que se aglomeravam nas proximidades do Posto Quatro da Avenida Atlântica. O local estava muito cheio de pessoas das mais diversas facções sócio-politico-sexuais. O clima era de festa, com quase todos dançando e bebendo despreocupadamente, que mais se assemelhava a carnaval do que a manifestação, política uma vez por ano exigindo respeito e visibilidade. A impressão que tenho é que se pudesse resumir o evento numa frase seria : “sou gay sim, estou aqui, e daí?”

O Rio de Janeiro, como quase todo o Brasil – e o mundo - sabe é uma cidade prodigiosa em homens bonitos, que em certas épocas do ano saem de seus casulos (leia-se academias de ginástica) e tomam as ruas para o deleite da população feminina – e boa parte da masculina também. Exibem seus corpos esculpidos em mármore de rara beleza e ao mesmo tempo em que nos fazem delirar, também podem nos fazer sentir como o último dos mortais. Para evitar sofrimento, o melhor a fazer é não comparar, não analisar nada, e buscar conforto na mentira de que o intelecto traz mais prazer que belos músculos.

De repente, avistei um casal de rapazes ali pelos seus 26-28 anos aos beijos e abraços, no meio daquela aglomeração de corpos que se formava. Os dois lindos, fortes, músculos perfeitos, saídos da praia, dois semideuses, trajando apenas sumárias sungas de banho e mais nada. Fitei o longo beijo do casal apaixonado, encostado a um carro, não sem uma ponta de inveja. Ao meu lado havia três rapazes, meio classe média no vestir, adolescentes muito mal encarados e que se irritaram muito ao ver aquela cena. Estavam enojados com aquele beijo e ouvi um deles dizer que “gay tem mais é que morrer tudo”. Eram os típicos trouble-makers de classe média, produto de qualquer cidade grande, que saem às ruas somente para procurar confusão. Quando vi que se preparavam para atacar o casal, eu me aproximei deles e tentei avisar para que tivessem cuidado. Segurei de leve um deles pelo braço, mas não consegui me aproximar. Fui rechaçado com um leve gesto de mão que denotava incômodo e me empurrou para trás, sem me olhar no rosto, acostumado que deve estar com assédio toda vez que sai às ruas.

Nesse momento, num segundo, o maior dos três moleques passou como um raio no meio do casal e desfechou um tremendo murro com a mão fechada na boca dos dois, enquanto se beijavam. Eu estava perto e vi tudo: levaram um soco para lá de dolorido na cara, os dois. A boca de um deles sangrou profusamente. E o que me causou ainda mais indignação: os dois nada fizeram. Limitaram-se a rir desconcertados daquele constrangimento, fingindo que não passava de um empurrão, coisa comum em lugares cheios de gente.

Fui para casa revoltado, com raiva dos dois covardes fracotes, (meia lua inteira, sopapo na cara do fraco, estrangeiro gozador) pensando em quantas passeatas mais serão necessárias até que os homossexuais aprendam o exercício da auto-estima e retribuam os socos que levam no cotidiano. Tinha mais raiva deles do que daquele moleque frajola, do qual vergonhosamente apanharam. Se o sujeito não está preparado para se defender, então não tem direito ao menos de pleitear respeito e igualdade, que dirá beijar em publico. “Se queres a paz, prepara-te para a guerra.” Era melhor ter ficado na segurança de suas casas. Horas a fio na academia, talhando a ferros músculos perfeitos. Os dois fortões, ou melhor, duas moças fortonas. Para que servem afinal esses músculos tão lindos e fortes?, pensei. Para me seduzir é que não são!