04 julho 2005

Eu também tenho dúvidas

Sou psicanalista, fiz minha formação por nove anos na Escola Brasileira de Psicanálise Movimento Freudiano e há quatro ano comecei a atender pacientes encaminhados a mim pelo Grupo Arco –Iris de Cidadania LGBT. Através dessa ONG recebo de vez em quando cartas e emails de leitores de todo país relatando questões importantes de suas vidas e pedindo aconselhamento. É motivo de grande orgulho para mim receber cartas de cidadãos que crêem estar diante de alguém que tem respostas para seus embates pessoais. Mal sabem elas que eu também me digladio com meus enigmas.

Recentemente recebi um email bastante emocionante de um jovem leitor que não se identificou. Disse apenas que tem 14 anos, mora no interior do Paraná e está passando por sérios problemas em casa devido ao fato de ter se descoberto homossexual. Sua família é evangélica e seus pais são bastante conservadores. Sofre perseguições na rua, na escola, na igreja e em casa e sofre calado. Terminava pedindo minha opinião sobre como ele deve agir.

Costumo responder a todas as mensagens que recebo, mas essa, em especial me comoveu, pois vem de uma pessoa muito jovem, que está passando por grande dificuldade. Quisera eu poder ajudá-lo. Infelizmente não tenho solução para as questões que as pessoas me propõem pelo simples motivo de que ninguém as tem - se alguém as tem, só pode ser o próprio remetente. O que está ao meu alcance, entretanto, é sugerir estratégias para lidar com certos problemas, baseadas tão somente no bom-senso e em alguma investigação da alma humana.

Fico lisonjeado em saber que alguém imagina que eu possa ser detentor de algum saber especial, alguém que se encontra em estágio superior do desenvolvimento humano, algum pendor intelectual que a experiência pode ter me dado. Por carta pedi a ele que não se esquecesse que minhas experiências são só minhas e tudo que aprendi de meus erros e acertos só valem, se é que valem, no restrito contexto da minha esfera pessoal.

No entanto, disse a ele que precisa ser forte, não deve afrontar sua família para não criar um mal maior, não deve tentar impor a eles a sua natureza, pois eles talvez não estejam preparados para aceitá-la. Por mais que seja importante para ele se impor neste momento não pode se esquecer que depende de seus pais. Há um grande número de jovens que são expulsos de casa em tenra idade quando se revelam homossexuais.

Sugeri que ele tenha precaução e espere o tempo passar com calma até que se sinta forte o suficiente para enfrentar qualquer reação por parte de seus pais – aliás, lembrei que precaução e canja de galinha são as duas únicas coisas que não podem fazer mal. Deve buscar sempre resguardar a integridade da relação sadia que ele disse tentar desenvolver com seus pais. Não podemos esquecer que somente depois da completa independência financeira é que conquistamos o direito de vivermos em plenitude a grandeza e a dor de sermos quem somos. Esta pode parecer uma solução extremamente dura e longínqua para meu pequeno interlocutor, mas não vejo outra. Vamos colocar da forma mais simples possível: quem depende do outro, tem que dançar conforme a música, e ponto final.

Sugeri também que ele tente buscar ajuda do psicólogo da escola - se tiver - ou que tente confiar em um amigo que o ouça com isenção.
Aqueles que têm a sorte de nascer num lar onde há entendimento, amor, bom senso, abertura, solidariedade, encontram o apoio de que necessitam para enfrentar o trauma de se descobrir diferente da maioria, principalmente em um quesito tão pessoal como a sexualidade. Os outros precisam ter paciência e resignação e esperar que o tempo cure as feridas que ele mesmo abre. Alguns animais se fingem de mortos para se protegerem de seu agressor, o que constitui uma estratégia de defesa sem dúvida inglória. Pode parecer entreguismo sugerir que meu pequeno leitor se curve ante os ataques de um adversário mais forte, mas no momento não me ocorre solução mais sábia para diminuir seu sofrimento. Talvez essa dica sirva para tantos outros que não tiveram a iniciativa, ou coragem, de escrever.

Depois de respondida a mensagem do garoto restou ainda a desagradável sensação de não ter conseguido atingir meu objetivo, que era levar algum alento para esta pessoa que sofre nalgum lugar do Estado do Paraná. A ele, minhas desculpas.