28 junho 2005

A Etiqueta do Adeus

Boas maneiras não passam de artifícios socialmente aceitos
para se conseguir o que se deseja sem parecer grosseiro.
Quentin Crisp.

Tão pouco nos difere de uma ameba que a maioria de nós ficaria surpresa de saber que partilhamos mais de 95% do código genético de uma das espécies mais inferiores na escala evolutiva de Mr. Darwin. Quando se nos comparam aos chimpanzés, então, a taxa de similaridade sobe para incríveis 99%. O que nos difere deles tão radicalmente, então? Além do polegar opositor, está nossa inteligência e nossa capacidade - e obrigação - de reprimir nossos desejos inconfessos, nossos instintos e pulsões.

O que nos possibilita viver em sociedade dando conta do mal estar que é de todos é o respeito às convenções, à propriedade, aos significantes comuns, à obrigação de mantermos um status quo, uma certa ordem interna de respeito ao semelhante garantida pelas leis dos homens, o acordo tácito das mentiras brancas que azeitam as relações humanas. Para horror de E. Kant, seu imperativo categórico precisa ser diariamente atropelado para que isso seja possível. Não dá para viver em sociedade sem uma mentirinha. E essas regras valem para todos nós, pobres viventes, irremediavelmente condenados à vida até que a morte resolva o enigma de nossa efêmera existência.

Isso pode até parecer muita flor para introduzir o muitas vezes inútil tema das etiquetas, mas não nos esqueçamos que elas representam importante complemento do pacto de sobrevivência pacífica. Pode perguntar a Danuza. Muito antes de se recorrer às leis para garantir o respeito ao outro, as etiquetas é que nos impedem de nos engalfinharmos a cada vez que nos sentimos aviltados.

Há cerca de um ano um amigo meu se separou da namorada, com quem vivia em simplicidade doméstica havia dois anos. A moça nem bem tinha cruzado a porta de saída da casa que dividiam e ele já se colocou a difamá-la com seus amigos e às vezes com perfeitos estranhos. Deu detalhes pormenorizados de suas desavenças, descendo ao porão escuro das turras que envolviam o desaparecimento de dinheiro de sua carteira, uma ou outra folha de seu talão de cheque, a inabilidade dela de ser gentil com seus amigos, seu talento nato para a dissimulação e a cara de pau de mentir sorrindo. Usou adjetivos para descrevê-la que pessoas menos destemperadas reservam apenas para uma classe especial de mulheres.

Achei aquilo meio esquisito, principalmente porque não somos assim tão íntimos em nossa amizade e mais ainda quando, por outra pessoa, soube de detalhes de sua separação. Ou seja: ele estava detonando a ex com to-do mun-do. Num momento de raiva extrema, se rolar baixaria, vale tudo: grite, esperneie, meta a mão na cara, xingue seu estoque de palavrão. Mas tudo dentro de casa, a dois, sem testemunhas. Ninguém tem que saber da sua lavação de roupa. Se a dor for muita até se entende que o sujeito conte a um amigo o que aconteceu a guisa de desabafo, conforto, sei lá. Mas há de haver limites.

Eu mesmo acabo de passar por uma separação doloridíssima, mas nem nos momentos de maior contrição cogitei "denegrir" (desculpem-me aqui os puristas da língua, e os guardiões do politicamente correto, a saber, Fernando Gabeira) a imagem de meu companheiro, que por três anos dividiu minha casa, minha vida e meus momentos bons e maus. Terminamos em silêncio e ninguém ficou sabendo dos detalhes. Falar mal dele? Nem pensar.

O que me faz escrever sobre etiqueta e despedida nesse momento é a inexorabilidade do Tempo, esse deus de mente incognoscível a quem Caetano chama de um "senhor tão bonito quanto a cara de meu filho". E me ponho a refletir sobre o passar Dele e seus efeitos devastadores sobre as pessoas. E de quão inconstantes somos nós.

É que, para minha total estupefação, acaba de chegar às minhas mãos, o convite de casamento do tal casal que separou entre tapas e beijos.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Bom, cada um com seu cada uma expressa a tua dor, eu nao sei com é a dor de uma separação e imagino que nao posso imaginar a dor dever alguem que voce ama partindo. A intesidade do amor nao tem como ser medida, pois cada um ama de uma forma e como diz Shakespeare: - Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer
que ame, não significa que esse alguém não o ama com tudo que
pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não
sabem como demonstrar ou viver isso.
Tive uma amiga que foi marta pela namorado porque ela o deixou, ele cortou o pescoço dela fora nomeio da rua e depis se matou.
Diante de varias declarações do que se é o amor, concluo que nao amei e de tudo que imagino, ainda assim, nao posso imaginar a dor de perder um amor

8:41 AM  

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